Representação de uma ejeção coronal de massa (CME) associada a um aumento de Partículas Solares Energéticas (SEP) e uma Intensificação do Nível do Solo (GLE) com efeitos sobre a atividade terrestre. Fonte: NASA
Já falamos do Clima Espacial (vide Quando o Sol quase provocou uma Guerra Nuclear e Tão perto, tão longe), que é uma área de pesquisa muito recente: o termo foi cunhado no final do século XX e contamos com observações por menos de 200 anos. Levantar evidências do passado mais remoto resulta importante para compreender melhor o fenômeno. Mas, como fazê-lo quando não havia instrumentos, nem sequer qualquer suspeita da sua existência? Pois bem, quando o fenômeno é suficientemente intenso, deve deixar marcas, registros na Terra. Trata-se então de evidências indiretas, assinaturas ou, também na nomenclatura inglesa, proxies.
Um desses proxies é a abundância de isótopos aprisionados em camadas do gelo polar. Por exemplo, o berílio (Be) tem número atômico 4, porém na atmosfera terrestre ele pode produzir um isótopo de número atômico 10, com o símbolo 10Be, quando bombardeado por partículas subatômicas advindas do céu (raios cósmicos). Também o cloro (Cl) de número 17 conta com um isótopo atmosférico de número 36, o 36Cl. Estes isótopos precipitam e ficam aprisionados no gelo polar. Camadas posteriores de gelo irão sepultando o registros e permitirão que os paleoclimatólogos de hoje possam analisar cada camada e conhecer com bastante precisão sua antigüidade. A análise química, por sua vez, permitirá determinar a proporção do isótopo presente. Um aumento da proporção de isótopos respeito dos níveis naturais, indica que a atmosfera terrestre foi bombardeada por raios cósmicos mais intensamente que o normal.
Foi isso o que fizeram Chiara Paleari e colaboradores (por sinal, a Chiara é ainda estudante de doutorado na Suécia) usando amostras de um projeto de pesquisa de estudo do gelo na Groenlândia chamado EGRIP e que permite fazer análises com precisão temporal relativa melhor do que um ano. Com base nos dados, eles nos contam que uns 9200 anos atrás, a Terra foi bombardeada muito fortemente por raios cósmicos, produzindo uma abundância de 10Be e 36Cl nunca antes detectada e com uma duração de vários anos. A origem desses raios cósmicos só pode ser solar. Eventos semelhantes são observados hoje em dia de forma direta por instrumentos em órbita e levam o nome de Partículas Solares Energéticas (SEP por sua sigla em inglês) que podem ocasionar Intensificações no Nível do Solo (GLE em inglês) dos detectores de nêutrons. No entanto, os eventos contemporâneos mais importantes têm intensidades entre 100 e 10000 vezes menor e nenhum deles deixou marca visível no gelo da Groenlândia. Aliás, outros autores encontraram proxies de GLEs ocorridos nos anos de 775 e 993, porém, também de menor intensidade que o relatado por Chiara em seu artigo.
A Paleoclimatologia Espacial é um ramo ainda mais recente da pesquisa científica e nos mostra um passado mais ativo das relações da Terra com o Sol. Conhecer esse passado nos permite entender melhor a dinâmica do Sistema Solar, que vai muito além da força gravitacional. Nos permitirá também estar atentos aos sinais que possam ocasionar danos à biosfera terrestre para mitigá-los.
Artigo original (em inglês): “Cosmogenic radionuclides reveal an extreme solar particle storm near a solar minimum 9125 years BP”.
Sobre o Clima Espacial: Página do EMBRACE (INPE)